Nem sempre lesões pós tratamento decorrem de erro médico. Quando a lesão era previsível de acordo com a doutrina médica, pode ser Iatrogenia.

Erro Médico e Excludente de Culpa

Médica Perita

│Iatrogenia

A excludente de culpabilidade quanto a possíveis lesões provocadas por intervenções médicas sempre existiu. Trata-se de uma situação em que houve lesão proveniente de tratamento médico, mas não há culpa do profissional de saúde.

Por esse motivo, de acordo com a doutrina médica, para diferenciar o “erro médico” de um dano provocado por profissional da área médica que não pode ser responsabilizado (não gera dever de indenização), o termo “iatrogenia” passou a ser utilizado com mais frequência como espécie autônoma de dano diferente de erro médico.

Consequentemente, é imperioso separar iatrogenia de erro médico, de modo a não excluir a responsabilidade civil de forma indevida perante lesões provocadas por profissional da saúde. Enquanto a iatrogenia ocorre como resultado natural e inevitável do tratamento médico, (que respeita as leis da arte médica as quais não possuem solução para todos os males), o erro médico provém do descumprimento destas leis.

A situação iatrogênica (dano escusável), por conseguinte, se enquadra na seguinte conduta: o médico (agente) submete o paciente a um procedimento (conduta humana voluntária), expondo-o a riscos previsíveis, esperados ou não de acordo com o seu estado de saúde e literatura médica, riscos estes que se materializam a despeito do profissional ter agido em conformidade com as regras da medicina, provocando lesão à saúde do paciente (dano).

Sob esse prisma, a iatrogenia decorre de a) conduta humana voluntária; b) lesão à saúde do paciente; e c) nexo causal entre a conduta e o dano. Portanto, apesar de todos os elementos citados, a iatrogenia não pressupõe “culpa”. 

Quando um cirurgião dentista efetua extração do dente siso do paciente e ocorre um inchaço temporário da região da face, ou quando alguém faz quimioterapia e o procedimento causa enjoos e queda de cabelo, são exemplos de iatrogenia, esperada e inevitável.

Por outro lado, há situações em que a lesão ocorre e, embora seja passível de ocorrer, não se trata de uma situação desejada. É o caso quando há quebra das costelas do paciente infartado em função de massagem cardíaca. Trata-se de iatrogenia, se o médico ou enfermeiro seguiu todos os protocolos para a realização do procedimento. 

Nesse viés, importante discutir quanto à amplitude da previsibilidade de lesão contida na doutrina médica para melhor definir iatrogenia.

O profissional de saúde que pratica o procedimento médico pode ou não ter certeza sobre a materialização da intercorrência, e seu grau de previsibilidade será tão preciso quanto o estágio da medicina no momento do ato médico.

Se para a maioria dos médicos de mesma especialidade, nas mesmas circunstâncias, levando-se em conta o aparelhamento e meios disponíveis; caso a incidência do dano seja inevitável e previsível dentro da doutrina médica, fica caracterizada a iatrogenia.  É necessário que se trate de um fato presente, (não de hipótese futura). Além disso, não se pode imputar qualquer resquício de culpa identificável no comportamento do médico.

Por isso, a simples menção em literatura especializada de que determinado procedimento médico pode evoluir para uma determinada intercorrência, mesmo que respeitada a boa prática médica para o caso em tela, não garante a exclusão de culpa. É preciso analisar o contexto, a técnica aplicada, os recursos e especialmente se, diante deste quadro, seria possível para outro profissional de mesma qualificação evitar o dano. 

│Nexo Causal

No Brasil, o nexo causal respeita a teoria da causalidade direta ou imediata, que considera como causa jurídica apenas o evento vinculado direta e inequivocamente ao dano, desprezando-se a interferência de outra condição sucessiva.

Contudo, quebra-se o nexo causal quando comprovada a culpa exclusiva da vítima (paciente falece após exercícios físicos depois de uma cirurgia do coração onde houve recomendação de repouso de quarenta dias pós operatório), fato de terceiro (quando imagino que minhas dores no joelho decorrem de cirurgia feita e não de erro decorrente de tratamento com fisioterapeuta), além de caso fortuito e força maior (quando um hospital é atingido por um terremoto de forma a danificar equipamentos hospitalares).

│Erro Médico

Como já se pode perceber, contrário ao senso comum, o erro médico não diz respeito somente à falha do médico, mas de todo profissional da área de saúde. Portanto, pode ser cometido por enfermeiros, anestesistas, dentistas, veterinários, fisioterapeutas e até hospitais, laboratórios de exame e imagem, planos de saúde e clínicas podem responder solidariamente por erro cometido por profissionais que integram suas equipes de trabalho.

Outra questão que muito se confunde está na suposição de que todo erro médico gera o dever de indenizar o paciente, o que não é verdade, diante dos exemplos já relatados. Para incidir responsabilidade civil, é preciso comprovar dolo ou culpa (que decorre de imprudência, negligência ou imperícia), além do nexo causal e do dano, como já mencionado.

DOLO – É a vontade consciente de realizar os elementos objetivos do tipo penal. Se o médico ministra um medicamento ao paciente em alta dose, o qual pode lhe causar a morte (ciente das consequências), responde por crime de homicídio doloso, por exemplo, caso o paciente venha a óbito.

DOLO EVENTUAL – É a modalidade em que o agente não quer o resultado, por ele previsto, mas assume o risco de produzi-lo. O paciente retirado do coma induzido, por exemplo, que acorda numa troca de plantão de enfermagem, de madrugada, e retira o próprio tubo de oxigênio, evoluindo para uma parada cardiorrespiratória, entrando em estado vegetativo, redunda em responsabilização penal das enfermeiras responsáveis e do hospital, que responderão por lesão corporal grave.

IMPRUDÊNCIA – É o agir com descuido, sem cautela. Quando o profissional de saúde faz o que não deveria ser feito. Um exemplo se dá quando o cirurgião opera paciente sem solicitar os exames adequados para um bom planejamento operatório.

NEGLIGÊNCIA – É a omissão de comportamentos recomendáveis, decorrentes da experiência comum ou das exigências particulares da prática médica. Quando o profissional não fez o que deveria ter sido feito. Um exemplo típico é quando um médico esquece o bisturi dentro do abdômen do paciente após término da cirurgia. 

IMPERÍCIA – É a falta de conhecimento técnico, descumprimento de regras da profissão. Quando o profissional faz mal o que deveria ser feito corretamente. Um dentista que ao dar anestesia rompe vaso sanguíneo importante e causa necrose no tecido, por exemplo.

│Dano

Em caso de dano provocado por profissional de saúde, este pode responder no âmbito administrativo, (no conselho que regulamenta sua profissão), na esfera cível e também penal (caso a ofensa atinja bem jurídico protegido pelo Código Penal). Nesse quesito, há três tipos: o material, moral e estético.

Dano Patrimonial

Também chamado de dano material, trata da proteção dos interesses econômicos da vítima do dano, o pode se apresentar como dano emergente ou lucro cessante. Como exemplo de dano emergente, cita-se as despesas médico-hospitalares, medicamentos, viagens, contratação de enfermeiros, compra de aparelhos etc.  Nesse caso, há um prejuízo direto da vítima.

Lucros Cessantes

Representam um prejuízo indireto da vítima, um valor que a vítima deixou de ganhar por causa do dano. Supondo que uma pessoa tenha que ser internada por um mês em decorrência de erro médico, além das despesas que deverão ser indenizadas (danos emergentes), o responsável deve indenizar a vítima pelo tempo que a vítima não pode ganhar o seu sustento (lucros cessantes).

Dano Moral

É aquele que fere a subjetividade da pessoa, ou seja, é uma dor invisível que atinge a honra ou o psicológico. Decorre da violação de direitos da personalidade (vida, integridade corporal, liberdade, honra, decoro, intimidade, sentimentos afetivos e a própria imagem). Uma pessoa que fica tetraplégica por um erro médico, por exemplo, pode desenvolver diversos problemas psicológicos em virtude da mobilidade e autonomia reduzidas.

Dano Estético

O dano estético compreende a lesão corporal que venha prejudicar a imagem da vítima (cicatrizes, modificações morfológicas ou perda de órgãos). Um nervo atingido por um cirurgião dentista, que impeça a expressão facial de sentimentos como alegria, tristeza e dor, pode provocar constrangimento, vergonha e depressão. 

Dúvidas Mais Frequentes

Como no direito, a medicina não é uma ciência exata. Por isso, pode haver indicadores para absolvição e condenação num mesmo caso concreto. Assim, há alguns elementos que devem ser observados para essa tomada de decisão, entre eles:

a) A doutrina médica usada na fundamentação – se estava acessível ao profissional, e o caso concreto preenche todos os quesitos da literatura;

b) A qualificação do profissional – se é especialista ou possui pouca experiência;

c) Os recursos disponíveis – em termos de equipamentos, equipe e instalações hospitalares, se possuía o médico condições adequadas para prestar um bom atendimento.

Se há prescrição de possíveis danos referentes a determinado tratamento, é preciso que as condições previstas sejam as mesmas descritas na literatura médica. Por exemplo, se há previsão de laceração do reto em uma cirurgia de endometriose profunda, feita por incisão abdominal (técnica mais indicada para esses casos), e no caso concreto houve uma perfuração do intestino na mesma cirurgia, mas o método cirúrgico era intravaginal, não cabe a alegação de iatrogenia com base na literatura médica para esse tipo de cirurgia, pois o método escolhido pelo médico não foi o mais indicado para a lesão.

Além disso, é preciso considerar as condições em que o médico trabalha. Sabemos que pode ocorrer cirurgias de emergências em que o local (hospital) não possui recursos suficientes para prestar um bom atendimento naquela área. Cabe analisar se o médico tinha realmente todas as condições necessárias para prestar um bom atendimento.

O mesmo vale para situação contrária. Se o hospital e o médico divulgam prestar um serviço de excelência em determinada área, significa que a expectativa do paciente concernente ao serviço prestado será alta, de modo que não faz sentido que o médico, ou a equipe, aumentem o padrão de dificuldade da cirurgia a fim de criar maior empatia do juízo para com a motivação do dano provocado (como inevitável). Nesse sentido, quanto maior a experiência do profissional e as condições para um serviço adequado, menor será a tolerância ao erro.

Os exames não dependem apenas de método, mas também da atualização do equipamento. Uma mesma tomografia, num aparelho de 20 anos e em um equipamento novo pode produzir resultados diferentes.

Espera-se que o exame seja feito por pessoa qualificada com equipamentos modernos, mas a adequação do equipamento, como minimamente exigível, depende da época em que se produziu a doutrina médica.

Sim, no entanto, certamente haverá uma dificuldade maior em provar o erro, já que o objeto de análise (o local do corpo onde foi feita a restauração), foi alterado, comprometendo uma perícia posterior.

Desde que os resultados anteriores não sejam desfavoráveis ao profissional ou ainda estejam em trâmite na justiça, não há o que temer nesse aspecto, posto que o juiz não pode se basear em outros processos para proferir sua sentença. Contudo, se houver resultados contrários em processos anteriores, isso pode influenciar o juiz em caso de livre convencimento.

Não. O médico pode tomar várias decisões equivocadas durante um ato cirúrgico e mesmo assim não ser responsável pelo dano ao paciente. Por esse motivo, não basta provar a conduta negligente, imprudente ou imperita do médico. Também é preciso provar que tais condutas foram determinantes para a lesão ao paciente.

Não. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) não se aplica a atendimento custeado pelo SUS, ainda que efetuado por profissional ou hospital particular. Nesses casos, aplicam-se as regras que tratam da responsabilidade civil do Estado.

Caso o juiz dê ganho de causa ao profissional de saúde, o paciente poderá arcar com as custas do processo e honorários sucumbenciais do advogado da parte vencedora, valores os quais são calculados com base no valor da ação. Por isso, é importante ter cautela sobre este tipo de ação. Somente um advogado entendedor da área pode dizer se há ou não chances reais de se obter uma indenização justa para o dano provocado.

O prazo é de 3 anos, de acordo com o código civil e de 5 anos, caso a demanda seja contra o Estado. Em se tratando de vício oculto, o prazo é de 5 anos, a contar da ciência do dano, segundo o Código de Defesa do Consumidor, em se reconhecendo a relação de consumo.

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