│Responsabilidade do Hospital
A relação entre hospital e paciente é de consumo, e a responsabilidade do hospital é objetiva em regra, ou seja, uma vez comprovado o dano e o nexo causal, a culpa se presume. Em caso de erro médico, o hospital ou clínica respondem solidariamente, juntamente com o profissional de saúde, desde que fique comprovado o vínculo do médico à instituição.
Ou seja, se comprovado que o profissional não possui qualquer vínculo com o hospital, a responsabilidade se torna única e exclusiva do agente de saúde.
O art. 14, §4o. do Código de Defesa do consumidor é bem claro quanto a responsabilidade solidária quanto a erros dentro de uma cadeia de serviços. E o vínculo entre médico e hospital, não requer documentos probatórios, como Recibo de profissional Autônomo (RPA), ou holerite para que fique configurado, pois de acordo com a teoria da asserção, questões relacionadas às condições da ação, como a legitimidade passiva, são aferidas à luz do que o autor afirma na petição inicial. Por isso, basta que o portal do hospital elenque o médico como parte de seu corpo clínico para configurar o vínculo.
Uma questão muito discutida atualmente diz respeito a indenização por danos causados por infecção hospitalar, ou Infecção Relacionada à Assistência em Saúde (IRAS), que é a contraída após o ingresso do paciente no hospital.
Trata-se de uma situação que pode envolver diversos fatores: falta de assepsia no hospital, doenças preexistentes de pacientes, uso de medicamentos que comprometem o sistema imunológico, disponibilidade insuficiente de enfermeiros, além de estrutura hospitalar mal planejada (falta de ventilação, falta de toalhas de papel, alto número de pacientes num mesmo ambiente, falta de álcool em gel, o não uso de máscaras por parte de visitantes e profissionais de saúde etc.).
Como se vê, são várias as possíveis causas de uma infecção hospitalar, podendo recair sobre o hospital ou se tratar de uma doença pré-existente do paciente. Caso o hospital consiga comprovar que obedeceu todos os padrões de higiene e limpeza exigidos, além das políticas que reduzem o processo de contaminação, como a aglomeração de pacientes, visitantes e o uso de máscaras, fica difícil sustentar a responsabilidade do hospital, mais ainda se comprovada uma doença preexistente.
Contudo, é bastante comum, especialmente em hospitais públicos (cuja responsabilidade recai sobre o Estado), pessoas à espera de atendimento deixadas em corredores e macas, com pouco ou nenhum atendimento por horas e até dias. Nessas circunstâncias, provar que não houve culpa do hospital quanto a possível infecção hospitalar é uma missão quase impossível. Entretanto, como as vítimas são, em grande parte, pessoas humildes e sem conhecimento de seus próprios direitos, fica o paciente e familiares inertes diante do fato.
│Responsabilidade do Plano de Saúde
Assim como nos casos de hospitais, os planos de saúde assumem responsabilidade solidária por erros cometidos por hospitais e médicos credenciados. Também incide o Código de Defesa do Consumidor, o que é ratificado pela Súmula 608 do STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”.
Nesse ponto, entidades de autogestão são aquelas que operam plano privado de assistência à saúde exclusivamente para funcionários da empresa, gestores, e familiares, por intermédio de departamento de recursos humanos da empresa, conforme prevê o art. 2º da R. Normativa 137/2006.
Portanto, Cooperativas de Planos de Saúde que atendem o público em geral não se enquadram como entidades de autogestão.
Normalmente, os planos de saúde estabelecem um período (prazo de carência), que você precisa aguardar antes que os procedimentos contidos no plano da sua escolha sejam liberados, respeitando os prazos estabelecidos pela ANS:
- Urgência e emergência: 24 horas;
- Exames, consultas e internações: 180 dias;
- Parto: 300 dias;
- Doenças das quais você tinha conhecimento antes da contratação (preexistentes): 2 anos.
Nesse ponto, uma das discussões está justamente na definição do que seja urgência e emergência. Segundo a Lei 9.656/98, no art. 35-C, é previsto a obrigatoriedade de cobertura de atendimento nos casos:
I – de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;
II – de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional […];
Ainda nesse quesito, a Súmula 597 do STJ estabelece que: “A cláusula contratual de plano de saúde que prevê carência para utilização dos serviços de assistência médica nas situações de emergência ou de urgência é considerada abusiva se ultrapassado o prazo máximo de 24 horas contado da data da contratação.”
Assim, caso o tratamento se enquadre em urgência ou emergência, tem o paciente direito de usufruir do plano de saúde, ainda que esteja em prazo de carência.
Além disso, a preexistência de doença, quando alegada pelo plano, deve ser comprovada. Do mesmo modo, deve ser comprovado que o paciente tinha conhecimento prévio da doença. Do contrário, não pode o plano negar o tratamento pelo convênio.
A relação entre conveniado e plano de saúde é de consumo, e em caso de dano provocado por profissional que atenda plano de saúde, este responde solidariamente, de forma objetiva, pelo dano causado, ou seja, a culpa se presume.
É muito comum que a operadora do plano, na prestação dos serviços, apresente vários profissionais credenciados, hospitais, laboratórios e ambulatórios conveniados.
Contudo, a má prestação de alguns profissionais, ou a inconsistência da lista de profissionais em relação aos que efetivamente atendem pelo convênio, ou as dificuldades impostas para realização dos devidos procedimentos podem levar o beneficiário do plano a procurar atendimento particular, solicitando depois, indenização da operadora, o que é previsto no próprio plano.
Nesse aspecto, o STJ já estabeleceu que o reembolso das despesas médico-hospitalares efetuadas por beneficiário de plano de saúde fora da rede credenciada é obrigatório somente em hipóteses de inexistência ou insuficiência de estabelecimento ou profissional, em se tratando de casos de urgência ou emergência (quando há risco de lesão irreparável), o que deve ser comprovado em se propondo ação de indenização.
Além disso, em caso de reembolso, não se pode esquecer que há uma limitação do valor de tabela com a qual o plano paga os seus credenciados. Ou seja, se efetuo consulta particular com médico no valor de R$ 500,00, e depois peço reembolso do plano de saúde, respeitadas as exigências já delineadas acima, o plano irá reembolsar apenas o que paga ao médico credenciado pelo mesmo serviço, R$ 40,00 por exemplo.
Quanto à cobertura dos planos de saúde, após muita discussão no âmbito jurídico, que chegou a decidir (STJ) que as operadoras não são obrigadas a cobrir procedimentos médicos que não estejam previstos na lista da ANS, foi publicada a Lei 14.454, a qual prevê que as operadoras de assistência à saúde poderão ser obrigadas a oferecer cobertura de exames ou tratamentos que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar.
Desse modo, tratamentos fora dessa lista deverão ser aceitos, desde que cumpram as seguintes condições: é necessário que haja comprovação da eficácia do tratamento recomendado ao paciente, além de a intervenção médica ser recomendada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), do Sistema Único de Saúde (SUS) ou por um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também no Brasil.
│Responsabilidade do Estado
O art. 196 e seguintes da Constituição Federal de 1988 é claro sobre a responsabilidade que o Estado assume no que tange à promoção da saúde do cidadão. Nesse sentido, não cabe o uso do Código de Defesa do Consumidor, pois a relação do paciente com o Estado não é consumerista. Isso vale, inclusive, com um procedimento médico é feito em hospital particular mas que tenha parte dos custos patrocinados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Há duas questões chave quanto à responsabilidade do Estado quanto ao acesso à saúde: o acesso ao atendimento médico e o acesso à medicamentos.
Todavia, muitas vezes, o direito à saúde ultrapassa essa questão. Existe julgado de toda ordem como aquele em que o Estado foi condenado a arcar com custos de energia elétrica devido ao alto consumo em decorrência de tratamento oxigenoterapia domiciliar (TJ-DF 0700563-92.2021.8.07.0018); ou o caso do Estado arcar com despesas de transporte para que o paciente fizesse hemodiálise (TJ-DF 0729551-66.2020.8.07.0016).
No que diz respeito ao acesso a medicamentos, há várias políticas de acesso a medicamentos que garantem a distribuição gratuita de vários remédios pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, muitos medicamentos, normalmente de alto custo, não se encontram disponíveis pelos programas do Estado.
Do mesmo modo, apesar de haver diversos hospitais públicos, e privados que atendem pelo SUS, muitas vezes são incapazes de atender toda a população carente devido à alta demanda.
Desse modo, antes de demandar judicialmente em favor do custeio de medicamentos pelo Estado, ou de internação compulsória em hospital público ou particular para tratamento de determinada doença, é importante comprovar que:
1. houve solicitação dos medicamentos ou do tratamento médico e da sua indisponibilidade de obtenção pelo SUS;
2. não existe tratamento dado pelo SUS que possua a mesma eficácia que o tratamento postulado pelo requerente;
3. o paciente não tem condições financeiras para arcar com o tratamento;
4. existe eficácia terapêutica comprovada por parte do tratamento requerido, com uso aprovado pela ANVISA.
Tais cuidados foram fixados pelo próprio STJ em julgamento do RESP 1.657.156. Apesar de haver uma certa lógica nas exigências, se tornam um grande obstáculo quando se trata de doença grave que, em curto espaço de tempo, pode levar o paciente a óbito caso não se submeta ao tratamento em curto espaço de tempo, devido a morosidade do judiciário e das demandas no âmbito administrativo.
Nesse contexto, em caso de falecimento ou sequela grave deixada pela doença em função da negligência do Estado em garantir a saúde do cidadão, cabe indenização pelos danos causados ao paciente ou seus familiares.
- Robson Carmona
- Data: 31/10/2023